quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Inter Coetera Mundis

Se os olhos são o espelho da alma,
pobre da que se vê em um espelho partido.

Como vidro, uma vez quebrado não tem conserto,
me jogo em uma fornalha de sentimentos que
consome mais do que posso perder.

Meus passos são mais curtos que a vontade
de chegar a algum lugar, que eu não sei qual é,
nem como chegar lá.

E naquele vidro reflexivo quebrado, me vejo
uma em cada pedaço, e uma em pedaços,
igual as pinturas de Picasso

O que deveria ser indelével é tão fulgaz
quanto os desenhos que vemos nas nuvens.
O passageiro se torna o condutor da nossa
preciosa memória, sem descer na próxima estação.

Pobre do fogo, fadado a destruir tudo, menos ele mesmo.
Fadado a ser infinito até que o tempo ou o vento
decidam seu destino.

Se eu sou fogo, me dêem água.
Se sou água, me dêem o mar.

Se sou o mar, me dêem o direito de ser só.

Alma mater

Encara o mundo sem véu,
noiva do destino.
Encara a luz do Sol
sem o contorno achar.

Procuro tua luz, aurora.
Mas encontro tanta coisa
que não gostaria de achar.

Delimito teu espaço, alma minha,
mas você insiste em no meu corpo
não ficar.

Marcos versos em folhas, destino,
mas em que estante você poderá ficar?

Deixa-me dormir, ó Noite!
Pare já de ser confortante demais...

Ad infinitum

Onde deixastes tua receita, alma?

Que mesmo com as prateleiras lotadas de corpos
frescos, só para tí que se destinam os pedidos??

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Carlos Drummond de Andrade


(ps: essa poesia é a inspiração do blog, tá aqui a explicação...)

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Tetricu.

Estalar de ossos secos, como golpeados por um martelo.
Esse é o som dos sonhos destruídos,
o som que Golias ouviu em seu crânio acertado por uma pedra.
No mundo das fundas, quem tem Davi é rei.

Basta uma palavra. Nada mais, nada menos.
E sonhos e ossos são partidos até ao pó retornar.
Páginas queimadas e frases não escritas, e a sensação
de palavra não dita, da viagem que não foi feita,
das correntes que não foram abertas e os laços que ainda estão feitos.

E o oxigênio continua sendo substituído por gás, nessa câmara claustrofóbica chamada vida.

Quanto seja o tempo das carnes se soltarem dos ossos,
e esses revelarem sua brancura polida.
Cadavérico, quanto tempo dura virar pó.
E as doze tribos estrangulem o Leão de Neméia,
apenas o suficiente para ouvir as Sereias e seu canto erótico de morte.
"Tampem os ouvidos, não vale a pena", dizem.

Mas no mar onde uma gota faz falta, sim. Vale muito a pena.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Eterna Mágoa

O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do Mundo; o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!

Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.

Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda

Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!

Augusto dos Anjos
Pau d‘Arco , 1904

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Doug

Existem correntes espirituais que afirmam que os animais são espíritos em evolução, que um dia serão humanos....por isso eles nos observam tanto, para aprender, acolher, amar, odiar, defender.

Se isso for verdade, eu sei que um bom espírito um dia irá reencarnar na Terra, leal e companheiro, amigo e carinhoso. Talvez um excelente pai, filho, marido, irmão....ou alguém que irá acolher corações tristes, como ele sempre fazia com o meu.

Obrigada Doug, por todos esses 13 anos de companhia, amor, lealdade, de me fazer rir quando vc ficava com o rabinho balançando e rodando feito um doido quando via a coleira e sabia que ia passear, ou quando pedia desculpa com a patinha quando fazia xixi no canto da parede.

Obrigada por estar sempre perto pq vc queria, e não pq eu simplesmente chamava. Obrigada por ter sido tão incrível. Mainha te ama, sempre.



sexta-feira, 8 de abril de 2011

Immortalitatem

Deixe a noite ser guia
de uma alma vazia
na ânfora da morte
o guardião dos segredos
não diluídos no tempo
faz meu corpo teu forte
de teu riso e seu trago
faz teu porto meu regaço
e o teu leito meu abraço.

Floruit

Onde há vernáculos sinto receptáculos
e cheiro de morte.
Onde há folhas sinto flores
e sinais de má sorte.
Onde há pele sinto veias e sangue
e tenho saudade de cortes.

Fausto

Sinto cheiro de cinzas cada vez que respiro. Deve ser minha alma virando carvão, e meu coração formando brasas. A vida é agridoce, mas nos faz engolir porcarias como putas de quinta categoria, e o jeito é aceitar.

Meus pensamentos se acumulam e sujam minha mente, o corpo parece querer rachar.
Somos todos tão frágeis como asas de borboleta, e tão sujos como pérolas dadas aos porcos.
E ninguém nunca se importa, só a solidão, que nunca quer te abandonar.

Todo mundo se odeia, o mundo odeia.
O mundo se odeia, todo mundo te odeia.
E ninguém pode fazer porra nenhuma para melhorar isso.
Somos todos ossos, carne e fluidos.
Nosso corpo é uma jaula que só cabe um animal.
Nossa alma é uma jaula, mas que cabem muitos animais.

Quero viver apenas o necessário para ler os livros que eu quiser.

Preciso viver apenas o necessário para ler os livros que eu puder.

Anima mea

Minha mente se eleva e deixa-se levar.
e permanece tão frágil quanto um colorido vitral.
Que a qualquer golpe se torce e estilhaça
E cai em pequeninos grânulos de areia sem cor.

Mas antes, fractais. Que colhem e se encolhem.
Como um coração em criação.
Fragmentos de almas, espelhos em molduras vivas.
Que abrangem e se expandem. Inspiram e expiram.
No labirinto sem saída que corre e escorre.
E assiste a Lua como um grande mural.
Dança e tropega.
Em cacos e restos.
Linhas e caminhos.
Todos presos nesse infinito umbral.

Adora

Gosto dos venenos mais fortes
e dos dias mais nublados.
Das bebidas mais apuradas
e dos livros mais antigos.
Das músicas mais tristes
e dos trabalhos mais pesados.
Do sono mais leve
e das noites mais agitadas.
Dos beijos mais intensos
e dos amantes mais robustos.

Dos dias mais tranquilos
e dos sonhos mais inquietos.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Aquel

Te amo do nosso jeito insone e bizarro de amar. Que muitos estranham e ridicularizam, mas nas mesmas armadilhas do insano tendem a também amar.

Te amo calada como quem costura retalhos, e se tu és feito de retalhos, que seja um deles o meu coração.

Te amo como a corda ao enforcado, como um bêbado ao descaso, como coisas que se atraem sem pensar.

Te amo amando teu silêncio, teu calor e o respeito a minha fuga e a minha fúria, que é apenas mais uma forma de amar.

Te amo inquieta como vidro quebrado e cristal facetado, como ervas amargas e venenos em cápsulas.

Te amo afogada em gritos. Como poeira em espiral, tempestade e temporal.

Te amo oblíqua, como frase inacabada, como caderno desfolhado, como tinta indelével.

Te amo inexistindo.

terça-feira, 22 de março de 2011

Alfa

Cada em sua fortaleza,
cada um em sua bolha.

Porque a vida nada mais é que uma reunião de coisas frágeis.

Fructus

maldito o toque, maldita a forma
maldito o som, maldita a luz
maldita é a boca, maldita é a língua.

maldito o céu que nos une
maldita a forma maldito o lugar
maldita a palavra, maldita a letra.

Bendito é o fruto, maldito é o ventre.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Άτλας

Asas apodrecidas e coração gelado.
Vai Atlas, leva o mundo nas costas.